quinta-feira, 25 de março de 2010

Primeiro Capítulo

Sempre fui uma criança atenta, curiosa e apaixonada pela vida. A minha rebeldia e discernimento encantavam tudo e todos à minha volta e tudo me encantava a mim. Corria pela estrada fora porque queria ver, sentir, ingerir tudo o que me rodeava, na impaciência que só uma criança inocente poderia ter. Olhava para os adultos e eles fascinavam-me. A sua sabedoria, as suas palavras que eu não conseguia pronunciar, os seus gestos tão trabalhados e elegantes. Aos meus olhos tudo era belo, tudo era maravilhoso. Eu não pensava… Eu usava os meus sentidos.
À noite, quando nos juntávamos todos, falava-se de tudo. Do dia-a-dia, dos problemas que eu não entendia, e se calhar nem podia entender. Costumavam-me dizer:
- Vera, tens de ser responsável, estudar, e ser sempre boa pessoa.
Eu não sabia o que isso significava. Todas as noites antes da hora do descanso, rezávamos o terço. Ao início, era esse o meu momento preferido do dia. O momento em que rezava a Jesus e a um Deus de quem julgava ser filha, e de quem sabia que me amava. Pronunciava mal aquelas palavrinhas impostas por homens que nunca vira, longe algures num lugar chamado Vaticano, e segurava na mão um terço pequenino que me ajudava a orientar-me nas orações. Rezava e sentia-me feliz, porque sabia que era isso que chamavam de “fazer o bem”.
- Rezar pelas alminhas perdidas no inferno – dizia a minha avó velinha sempre que a encontrava vestida de preto sentada na caminha dela, de terço na mão, quando vinha a Portugal nas férias de verão. Eu sentava-me ao lado dela, e fazia-lhe companhia.
Ouvia dizer que o inferno era um lugar muito mau para onde iam as alminhas das pessoas que morriam, e que nunca tinham feito coisas boas durante a vida. Comecei-me a interrogar o que era o “mal” e o que era o “bem”. Tinha medo de morrer e ir para o inferno. Ás vezes falávamos nisso, lá em casa.
- Não se deve roubar, Não se deve matar, Não se deve desrespeitar os pais, Não se deve desejar o que é dos outros… - ou então – Deves ser obediente aos pais, Deves ajudar sempre o próximo, deves saber perdoar…
Eu sempre me regi por isso... Sempre tentara fazer o "bem", apesar das atitudes contrárias de todos os que me rodeavam. Na altura não tinha essa noção. Ou se calhar até já tinha, mas o poder das palavras tinha-se apoderado de mim. Eram palavras bonitas. Estava a caminho do paraíso, da plena felicidade.

(Continua)

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